terça-feira, 10 de abril de 2012

A bola corre mais que os homens

As duas primeiras postagens que escreverei serão de textos capturados do livro que me inspirou para criar tanto o nome do domínio quanto do título do blog. Nada mais justo, portanto, que o título da primeira postagem seja o mesmo do livro escrito por um dos grandes pensadores contemporâneos, o antropólogo Roberto DaMatta. Cientista social, DaMatta consegue explicar com maestria o sentido da dramatização vivida pelo povo brasileiro a partir do futebol.


O texto, bem grande por sinal, mas que merece ser totalmente transcrito, trás uma reflexão sobre a BOLA... Isso mesmo!!! Este material muito menor que tudo e todos que estão em volta, mas que não gira em torno deles, pelo contrário, todos giram em torno dela.     

"Numa consagrada crônica, Nelson Rodrigues, fala da grã-fina de narinas de cadáver que, em pleno estádio, pergunta para seu milionário acompanhante do momento, um desses eternos Waltinhos, Diduzinhos, Jorzinhos ou Olavinhos que reinam em nossas colunas sociais:


- Quem é a bola?

Hoje, em pleno calor do certame mundial e com os olhos, a cabeça e o coração sintonizados na campanha do escrete brasileiro, a pergunta aparece ainda mais insólita e surrealista.

E no entanto eu digo que a grã-fina estava absolutamente correta, pois fazia, sabendo ou não, a grande pergunta. Ouso afirmar, portanto, que tanto no futebol quanto na vida "quem é a bola" é a grande, única e insofismável questão. De fato, falar do jogador, do juíz, dos estádios, dos contratos, das táticas, dos cartolas e dos salários, como fazem todos, é uma maneira ingênua e infantil de fugir do verdadeiro assunto: o caráter da bola. Porque, tirando a bola, todos esses personagens que ela coloca a reboque e a perseguem são seres racionais, logo quadrados e sordiamente previsíveis. Só a bola, em sua plena, inocente e esférica irracionalidade, conforme viu a grã-fina, desperta dúvidas.

Pois o que conta no futebol não é bem a treinada vontade humana, mas a sensual e caprichosa bola. Bola que simboliza a gratuidade da vida e, de quebra, representa a sorte e o azar. Bola que, como uma capitu moderna, vai para onde não queremos e, tendo movimentos indecifráveis, quase sempre cai nos pés dos nossos inimigos. Bola que, como uma Carmem, nos deixa loucos de ciúmes porque, depois de seduzir um primeiro, acompanha desavergonhosamente um segundo e, em seguida, flui natural e dengosamente para os sujos pés de um terceiro. Bola que, como esse final de milênio, é imprevisívelmente redonda e balofa, prenche de rodopios, efeitos e movimentos imprevisíveis. Bola, afinal, que se transforma em coração e bate dentro dos nossos peitos sobejamente abandeirados.

Essa bola que tentamos domesticar, segurar e "comer". Sem ela, poderia haver jogo, mas não haveria grandeza e ritual. Pois a bola representa insegurança, descontrole e, é claro, o sal da vida. Essa vida que nós temos que disputar com garra e altivez como se cada dia fosse uma final de Copa do Mundo. Bola que jamais será totalmente nossa.

Bola que corre mais que os homens..."


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