quinta-feira, 12 de abril de 2012

Pé na bola ou bola no pé?

O primeiro texto de Roberto DaMatta que escrevi em meu blog foi inspiração para a ideia do nome do domínio "futeboleabola.blogspot.com". Nesta segunda postagem, escrevo com base no texto que serviu de inspiração para a criação do título do blog "Futebol: Pé na bola ou bola no pé", do mesmo RobertoDamatta ainda do livro "A bola corre mais que os homens".

Na verdade, nesta postagem, eu venho falar do pé, uma pequena parte do corpo utilizado no futebol que deixa o esporte cada vez mais impreciso pela sua complexidade em uso. O pé que está sobre o chão e que é utilizado para andar, correr e saltar, mas que pelo futebol teve uma difícil tarefa de ser o responsável por realizar uma condução, um passe, um chute. O pé, que não satisfeito em ser tão complicado, ainda chama a cintura e o quadril para auxiliá-lo nas fintas e nos dribles... Talvez, por causa disso que o Brasil se adaptou tão bem com esse esporte, sobretudo por serem partes do corpo centrais para as danças nacionais como o samba e a "ginga do malandro". O pé que trouxe uma característica de imprevisibilidade jamais vista em outras modalidades, simplesmente pelo fato de ser o pé o camisa 10 e não a mão, como na versão americanizada desse esporte. Versão esta marcada pela precisão, já que a mão é sempre usada para manusear objetos. Versão que não consegue sentir, como no futebol, um time muito inferior surpreender um time muito superior, porque não se pode confiar no pé como se você fosse casado com ele. Você não pode deixá-lo sair sozinho em uma festa e ao mesmo tempo não pode ficar olhando para ele a todo instante, porque a qualquer momento ele pode te surpreender. O pé, que juntamente com a bola está rente ao chão, anulando ou neutralizando dessa forma as diferenças corporais observadas em todos os outros esportes. O futebol acaba por ser o esporte mais democrático do mundo, capaz de atrair participantes de todos o biótipos, rejeitados por outros esportes como o volei, basquete e a natação.

Realmente, esse tal de pé caiu como uma luva em um país que precisava mostrar sua força de maneira inesperada e ritualizada. Brasil com uma auto-estima fragilizada, marcado pela desigualdade social, analfabetismo e corrupção, mas que teve no futebol a primeira forma de vitória frente às grandes potências mundiais em 1958. Depois que Pelé e Didi apertaram as mãos do rei Gustavo da Suécia, nunca se viu tantos leitores de jornais no dia seguinte, tantos ricos e pobres se abraçando nas ruas e conversando sobre o que ocorreu. Até os políticos corruptos deram um descanso em seus trabalhos para comemorar um marco tão importante na história.

Roberto DaMatta diz:

"(...)Penso que tudo isso tem a ver com o significado do pé no espaço social brasileiro. Pois o Brasil é uma sociedade onde uma esmagadora maioria usa os pés ao passo que sua elite usa, quando o faz, somente as mãos. Pés que servem de metáfora para o seu lado humilde e inferior marcado pela sociedade escravocrata.
Daí a impressionante quantidade de expressões coloquiais centradas no pé como "os pés no chão" e como tudo aquilo que pode ser início de algo importante como o "pé de meia", o "pé de conversa", os segredos contados "ao pé do ouvido" e as banfazejas entradas de "pé direito". Por outro lado, ninguém quer "enfiar os pés pelas mãos", não "chegar aos pés" dos adversários ou pior que isso, "enfiar os pés na lama". O ideal é ter os pés leves, lépidos e ágeis que nos facultem "cair em pé" ou caminhar pela vida, enfrentando os obstáculos com os "pés nas costas" e sem "bater com o pé na boca"(...)"

O fato é que o jogo nascido na Inglaterra como "o pé na bola" foi reinventado no Brasil como "a bola no pé", o que mudou tudo no país. No primeiro caso, a bola foi feita para ser chutada e despachada sem muito jeito e carinho, já no segundo, descobre-se uma afinidade jamais vista entre o pé e a bola, onde a bola transforma-se em um objeto feminino desejável e o pé se transforma na melhor forma de acariciá-la. Brasil, que conseguiu tratar a bola com tanto carinho que fez inveja em outros países e hoje em dia os vê tratando-a melhor que ele. Com crises de ciúme, os brasileiros, hoje, tratam a bola com mais descaso: os zagueiros não conseguem sair com ela de mãos dadas calmamente sem dar um chutão; os volantes são muito nervosos em tê-la a todo instante; os meias não a tratam com tanta gentileza e nem a levam para o melhor restaurante da cidade como antes; os laterais querem ficar com ela a todo tempo e não a deixam sair com as amigas; e os atacantes, finalmente, na hora da cama não conseguem fazer o serviço completo.

O Brasil casou-se com a bola muito cedo, e hoje, os pretendentes estão mais cavalheiros e sedutores. Eles estão aprendendo a lidar com damas. O Brasil se acomodou, engordou, não vai mais ao cinema e acha que ainda é o melhor do mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário